segunda-feira, 16 de março de 2015

Você confia em Deus? Mas quanto você confia em Deus?





A confiança é uma firme esperança

Com a concisão que traz o cunho de seu gênio, definia São Tomás a confiança: “Uma esperança fortalecida por sólida convicção”. Palavra profunda que não faremos senão comentar nesta primeira parte.
Pensemos atentamente os termos que emprega o Doutor Angélico: “A confiança, diz ele, é uma esperança”. Não uma esperança ordinária, comum a todos os fieis; no qualificativo preciso a distingue: é “uma esperança fortalecida”. Notai bem, no entanto: não há diferença de natureza, mas somente de grau de intensidade.
Os albores incertos da aurora, tal como o esplendor do sol no zênite, fazem parte do mesmo dia… Assim a confiança e a esperança pertencem à mesma virtude: uma é, apenas, o desabrochar completo da outra.
A esperança comum perde-se pelo desespero; pode tolerar, no entanto, certa inquietação…
Quando, porém, atinge esta perfeição que faz trocar seu nome pelo nome de “Confiança”, torna-se-lhe, então, mais delicada a susceptibilidade. Não suporta mais a hesitação, por leve que se imagine. A menor duvida a rebaixaria e a faria voltar ao nível da simples esperança.
O Profeta Real escolhia exatamente as expressões quando chamava a confiança: “uma superesperança”. Trata-se realmente aqui de uma virtude levada ao máximo de intensidade.
E o Padre Saint-Jure, autor espiritual dos mais estimados do século XVII, via justamente nela uma esperança “extraordinária e heroica”.

Não é, pois, a confiança flor banal. Cresce nos cumes, e não se deixa colher senão pelos generosos.
Ela é fortalecida pela fé
- Levemos mais longe este estudo.
Que força soberana fortifica a esperança a ponto de torná-la inabalável aos assaltos da adversidade?… A fé!
A alma confiante guarda na memória as promessas do Pai celeste; mediata-as profundamente. Sabe que Deus não pode faltar à palavra, e daí a sua imperturbável certeza.
Se o perigo a ameaça, a envolve, a domina mesmo, ela conserva sempre a serenidade. Apesar da iminência do risco, repete a palavra do Salmista: “O Senhor é minha luz e a minha salvação… que posso recear? O Senhor protege a minha vida… Quem me fará tremer…?”.
Existem entre a fé e a confiança relações estreitas, laços íntimos de parentesco. Empregando a expressão de um teólogo moderno, deve-se achar na fé: “a causa e a raiz” da confiança.
Ora, quanto mais se afunda a raiz na terra, mais seiva nutriente dela tira; mais vigorosa crescerá a haste; mais opulenta será a floração. Assim, a nossa confiança desenvolve-se na medida em que se aprofunda em nós a fé.
Os Livros Santos reconhecem a relação que une essas duas virtudes. Não são designadas pelo mesmo vocábulo “fides”, uma e outra, sob a pena dos escritores sagrados?
A confiança é inabalável
As considerações precedentes terão parecido, talvez, por demais abstratas. Era necessário, no entanto, que nelas nos firmássemos: delas deduziremos as qualidades da verdadeira confiança.
A confiança, escreve o Padre Saint-Jure, é “firme, estável e constante em grau tão eminente, que nada no mundo pode, já não digo derrubá-la, mas abalá-la sequer”.
Imaginai as extremidades mais angustiosas de ordem temporal, as dificuldades insuperáveis, em aparência, de ordem espiritual: nada disso alterará a paz da alma confiante…
Catástrofes imprevistas poderão amontoar em torno delas as ruínas da sua felicidade; essa alma, mais senhora de si que o sábio antigo, continuará calma: “Impavidum ferient ruinae”.
Voltar-se-á simplesmente para Nosso Senhor; n’Ele se apoiará com certeza tanto maior quanto mais privada se sente de auxílio humano. Rezará com ardor mais vibrante, e, nas trevas da provação, prosseguirá o seu caminho, esperando em silêncio a hora de Deus.
Uma confiança assim é rara, sem dúvida; mas se não atinge esse mínimo de perfeição, não merece, então, o nome de confiança.
De resto, encontram-se exemplos sublimes dessa virtude nas Escrituras e na vida dos Santos. Ferido na fortuna, na família e na própria carne, Jó reduzido à última indigência, jazia no seu monturo. Os amigos, sua mulher mesmo, aumentavam-lhe a dor pela crueldade das suas palavras.
Ele, no entanto, não se deixava abater; nenhuma murmuração se mesclava aos seus gemidos. Sustentavam-no os pensamentos da fé. “Quando mesmo o Senhor me tirasse a vida, dizia, ainda assim esperaria n’Ele!”.
Confiança admirável e que Deus recompensou magnificamente. A provação cessou: Jó recuperou a saúde, ganhou de novo fortuna considerável, e teve uma existência mais próspera do que antes.
Numa das suas viagens, São Martinho caiu nas mãos de salteadores. Os bandidos os despojaram; iam trucidá-lo, quando, de repente, tocados pela graça do arrependimento ou levados por um pavor misterioso, o libertaram e o soltaram, contra toda a expectativa.
Perguntou-se mais tarde ao ilustre Bispo se, nesse risco premente, não teria sentido algum medo. “Nenhum, respondeu, eu sabia que a intervenção divina era tanto mais certa quanto mais improváveis os socorros humanos”.
A maioria dos cristãos não imita, infelizmente, exemplos destes.  Nunca se aproximam tão pouco de Deus como no tempo da provação.
Muitos não dão esse grito de socorro que Deus espera para lhes vir em auxílio. Funesta negligência! – “A Providência, dizia Luís de Granada, quer dar solução, ela mesma, às dificuldades extraordinárias da vida, quanto que deixa às causas segundas o cuidado de resolver as dificuldades ordinárias”.
Mas é preciso reclamar o auxílio divino. Essa ajuda, Deus no-la dá com prazer. “Longe de ser incômoda à alma de quem suga o leite, a criança, pelo contrário, lhe traz alívio”.
Outros cristãos, nas horas difíceis, rezam com fervor, mas sem constância. Se não são atendidos logo, logo, caem de uma esperança exaltada num abatimento desarrazoado. Não conhecem os caminhos da graça.
Deus nos trata como crianças: faz-Se de surdo às vezes, pelo prazer que sente ao ouvir-nos invocá-Lo… Por que desanimar tão depressa, quando conviria ao contrário, rogar com maior insistência…?
É esta a doutrina ensinada por São Francisco de Sales: “A Providência só adia o seu socorro para provocar a nossa confiança”.
“Se nosso Pai celeste não concede sempre o que pedimos, é para nos reter a seus pés e nos dar ocasião de insistir com amorosa violência junto d’Ele, como claramente mostrou aos dois discípulos de Emaús, com os quais só Se deteve ao fim do dia, e assim mesmo por eles forçado.”

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